Já faz tempo, mas parece que foi ontem. Em poucos anos eu amadureci tanto e me tornei tão diferente daquela menina – a que costumava falar a aula inteira, mas ainda assim tinha as respostas na ponta da língua – que às vezes nem eu me reconheço. Foram-se embora as festas de pijama, as pizzas de pão-de-forma e os filmes de terror pela madrugada, sobrou o desconhecido e eu sozinha pelo mundo, tendo que descobrir novos amigos e lidar com minhas próprias fraquezas. Eu fiquei, vocês foram. Ou eu fui, vocês ficaram. Nunca se sabe.
Não é que não lembre com carinho das tardes sentadas na calçada em frente à escola, depois das aulas terminarem. Ou das festas de quinze anos, dos garotos, das fofocas e das histórias que vocês contavam e eu escutava. Era tudo tão simples: tardes no shopping, meninos bonitinhos, filmes divertidos e ovo e farinha em datas de aniversário. Mas nossa amizade, aquela que eu acreditava ser “para sempre”, se fragmentou. Eu já não me enxergo em nossas lembranças e muito menos nos resquícios que as redes sociais entregam da vida de cada uma de vocês. Escolhemos nossos caminhos, pegamos nossas estradas e algumas de nós não podiam seguir o mesmo rumo.
Dizem que quando a escola acaba, poucas amizades resistem. Mas eu sinceramente acreditava que, mesmo com sonhos completamente diferentes, sempre haveria aquele fio que nos manteria unidas. Talvez fossem os segredos e confissões ou todos aqueles momentos que nós vivemos juntas, mas éramos um grupo invencível. Nós tínhamos até um nome para ele, o que sempre me deu a impressão de que quando estávamos lado a lado, virávamos uma só. Era como se nossos defeitos e qualidades se completassem, como se nada arrebentasse a corda que nos segurava. E fomos embora aos poucos, sem perceber. Até que um grande baque atingiu nossa amizade, atrapalhou nosso equilíbrio. E não tinha mais espaço para mim. Alguns ficam, outros vão embora. Eu fui e ainda faltava tempo – tempo para a escola acabar, tempo para cicatrizar, tempo para aprender a lidar. Até hoje não entendo muito bem porque sobrei. Até hoje amizades me fazem chorar, gestos de carinho me trazem desconfiança. Eu não acredito mais em grupos invencíveis e uniões inquebráveis. Amigos fazem parte, mas um dia vão embora. Seguem seu caminho, mas às vezes partem com muita dor
Eu cheguei em lugares inesperados, conquistei boa parte do que sempre quis. Olhando para os flashes virtuais da vida de quem sempre fez parte da minha, provavelmente sou quem está mais perto de onde sempre sonhou, ao mesmo tempo que parece tão distante. Mas eu vejo as coisas acontecerem com vocês e queria estar ao lado. Foram sonhos que sonhamos juntas, de algum jeito. Coisas que acreditamos que compartilharíamos. Eu queria estar no chá-de-panela pintando-as, queria vocês comigo há dois dezembros atrás, no dia mais importante da minha vida. Mas enviei o convite apenas para não parecer antipática e suspirei aliviada quando nenhuma de vocês apareceu. Aquilo estragaria meu dia. Tudo muito contraditório.
Acabamos antes da hora. Não fui a viagem de formatura nem passei bem na festa de encerramento. Todas as palavras que disse sobre manter os amigos da escola em meu discurso final foram para os outros, não para mim. Naquele momento eu já estava sozinha, mas procurei por vocês, todas lado a lado, na multidão de alunos. Por dentro, eu dizia que nossa amizade, por mais que tenha tido um final doloroso para mim, ainda tinha representado muito. Para as pessoas, eu gritava que não gostava sequer de olhar para vocês. E nenhuma das duas frases eram mentiras. Eram duas verdades, verdades que não sabiam conversar. Sei que vocês ainda se encontram, sei que algumas me procuraram depois. Mas sei também que algumas se dispersaram logo em seguida. Me pergunto se vocês conversam sobre mim ou fazem ideia de como tudo fez diferença aqui.
Eu só queria dizer que nem todas as lembranças são fáceis de apagar com uma borracha. Ainda há muito de vocês, das coisas que aprendi com todos os anos que fomos amigas. Nossos caminhos nunca vão se encontrar de novo – as decepções fizeram isso ser impossível. Mas, de um jeito muito esquisito, eu ainda as amo. Por tudo que vocês representaram, por todos esses anos. Pessoas vão embora e levam um pedaço de nós com elas. Vocês levaram uma parte muito importante do meu coração. Quem diz que perder um amor dói mais que perder um amigo é por que nunca teve uma amizade como a nossa.
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Eu escrevi esse texto há muito tempo, mas por algum motivo nunca postei. Ele não é exatamente uma crônica nem um conto, tem mais um tom de carta. Vasculhando as coisas que escrevi, senti vontade de compartilhar com vocês. Está mais para uma carta.
Sei que estou devendo resenhas e outras coisinhas, mas como já expliquei, estou tentando me reorganizar com todo meu novo horário muito maluco. Eu prometo que em duas semanas, no máximo, eu me organizo de novo. Só preciso que vocês compreendam
durante esse tempo.
Se você pudesse dizer alguma coisa para alguns amigos que ficaram para trás, o que você diria?